A Cruz de Malta é o símbolo Vascaíno! Assim disseram nossos fundadores. No entanto, durante anos a fio, dúvidas foram levantadas quanto ao acerto dessa afirmativa. Não é de hoje o debate entre os vascaínos conhecedores da história do clube, cuja incerteza é alimentada pelo passar do tempo, elemento corrosivo da tradição oral, que favorece o dito pelo não dito, por vezes com razão, por vezes não!
Estas brevíssimas notas são o ponto de partida para um estudo mais aprofundado sobre o tema que procurará elucidar todas as questões inerentes às duvidas criadas desde a fundação do Club de Regatas Vasco da Gama.
A atual Cruz de Malta do Club de Regatas Vasco da Gama
A atual formatação da "Cruz de Malta" vascaína foi adotada definitivamente no uniforme do clube a partir da década de 1960.
Escudo do Vasco com a atual Cruz de Malta (site oficial)
Em 1934, não se sabe se por um equívoco, uma variante da atual cruz aparece pela primeira vez no uniforme vascaíno. O fato é que a mesma desaparece logo a seguir e só volta a reaparecer esporadicamente durante as décadas de 1940 e 1950.
Domingos da Guia em 1934 Revista do Esporte - 1960
(Acervo do benemérito Itamar de Carvalho)
Seu uso recente, deveu-se à interpretação tardia e equivocada da definição histórica e popular do que seria a "Cruz de Malta" com formato que não corresponde ao da cruz originária da fundação do clube.
Frente e verso de medalha do Vasco nos primórdios do clube
com o primeiro brasão de 1899 e a Cruz de Cristo
(Acervo particular)
O formato equivocado da atual cruz
Apesar de estar designada como “Cruz de Malta” na ata da reunião de diretoria que estabeleceu o escudo oficial vascaíno, era em sua forma original uma "Cruz (da Ordem) de Cristo"!
(Atas da Diretoria, 06 de setembro de 1898 - site oficial do C. R. Vasco da Gama)
Fotografia de vascaínos uniformizados em 1900
com o escudo da Cruz de Cristo
(acervo pessoal)
com o escudo da Cruz de Cristo
(acervo pessoal)
A origem da cruz da fundação
Não há dúvidas de que a cruz adotada pelos fundadores – tanto em sua forma quanto em sua designação – tem relação com as comemorações do IV Centenário do Descobrimento do Caminho das Índias por Vasco da Gama.
1898 - Feira Franca de Lisboa
É necessário ainda ressaltar que o próprio almirante português, em data posterior à descoberta, sagrou-se cavaleiro da Ordem de Cristo, assim como o fato de as naus portuguesas envergarem exclusivamente em suas velas, a cruz daquela ordem, não tendo nenhum dos dois casos qualquer relação com a Ordem Militar de Malta.
Desta forma, a cruz vascaína é, definitivamente, a "Cruz de Cristo".
Vasco da Gama envergando o medalhão de Cavaleiro da Ordem Militar de Cristo
Obra de 1838 do afamado pintor português António Manuel da Fonseca
Armada Portuguesa envergando em suas velas a insígnia da Cruz de Cristo
Códice de Lisuarte de Abreu produzido no século XVI
A cruz encarnada do Vasco
A cruz encarnada do Vasco teve origem, em grande parte, na iconografia popular produzida em Portugal à época das comemorações do IV Centenário do Descobrimento da Índia, que ilustrava uma Cruz de Cristo sem a cruz grega branca (ou vazada) em seu interior (esta representativa da inocência dos templários). No caso das representações coloridas, a cruz é mostrada, na maioria das vezes, na cor vermelha ou encarnada.
Bandeiras da Ordem de Cristo (com a cruz inteiramente encarnada) e de Avis
Década de 30 do séc. XX - Funchal - Ilha da Madeira - Foto: Franz Grasser
(Acervo da Universidade de Dresden)
Aquário Vasco da Gama - Dàfundo - Portugal
Tal iconografia lusitana pode ser justificada pela liberdade artística dos autores e pela tendência à simplificação a fim de obter melhor reprodução das imagens pela tecnologia disponível na época. Se por um lado, a litografia favoreceu a popularização da imagem, ainda não era possível alcançar grande precisão de detalhes, especialmente quando se tratava de suportes de formato muito reduzido como selos e bilhetes postais.
Selos portugueses lançados em 1898 em comemoração ao IV Centenário da Descoberta do Caminho das Índias |
Somos todos cruzmaltinos sob a Cruz de Cristo
Este é um ponto que gera grande confusão entre todos aqueles que tentaram interpretar a questão, bem como da própria “Cruz de Malta”, e por vezes já foi utilizado como argumentação de conotação jocosa contra a cruz dos fundadores.
A síntese para o entendimento do seu desenho e forma se resume ao seguinte: a) A interpretação heráldica; e b) A interpretação popular.
A interpretação heráldica define como sendo a "real Cruz de Malta" aquela adotada pela Ordem de Malta (Ordem Soberana e Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta), também conhecida como "Cruz de Amalfi" (cidade no sul da Itália), com pontas bifurcadas, estabelecida por ordem papal no século XII, que doravante assim passaremos a designar para fins de nossos estudos.
A Cruz de Amalfi da Ordem Militar de Malta
Já a cruz adotada pela Ordem de Cristo teve sua origem e inspiração na Cruz dos Templários, com pontas abertas sob o ângulo de 45 graus.
A Cruz de Cristo como descrito no Livro da Regra da Ordem Militar de Cristo (Acervo da Biblioteca Nacional de Portugal) |
Anteriormente, a cruz advinda dos templários foi utilizada igualmente no século XIII pela própria Ordem de Malta em Portugal, cujo formato é usado hoje em dia pelo Vasco, passando por modificações até a forma adotada pela Ordem de Cristo, sucessora dos bens dos templários em Portugal.
Selo funerário do Prior da Ordem de Malta "Nova Historia da Militar Ordem de Malta, e dos Senhores Grão-Priores Della, em Portugal", por José Anastácio de Figueiredo Ribeiro (1793) |
Daí temos que todas as cruzes derivadas dos templários são definidas pela heráldica como páteas ou patadas, devido às pontas abertas, pisadas, amassadas, espalhadas ou patées (em francês).
A interpretação popular, advinda provavelmente do francesismo, ou do estrangeirismo, é um caso clássico de metonímia ou apelido, conhece e chama como Cruz de Malta todas aquelas que são cruzes páteas, sejam elas de quais formatos forem. Assim se dá com a "Cruz de Cristo"; com a Cruz dos Bombeiros (nos países de tradição anglo-americana); com a "Cruz de Ferro" alemã etc.
O referido estrangeirismo teve influência sobre a cultura brasileira na segunda metade do século XIX, mantendo-se a tradição oral até fins da década de 1910. Há inúmeros exemplos publicados na imprensa em que, sem qualquer relação com o C.R. Vasco da Gama, a Cruz de Cristo é designada como Cruz de Malta.
O marco da fundação da Cidade do Rio de Janeiro ao tempo em que estava no Morro do Castelo e
a Cruz de Cristo no lado oposto, que hoje se encontra na Igreja dos Capuchinhos
a Cruz de Cristo no lado oposto, que hoje se encontra na Igreja dos Capuchinhos
A revista "O Malho" de 1910 designou a Cruz de Cristo como sendo de Malta
(Acervo: Biblioteca Nacional - Foto: Acervo Particular)
Interpretação Heráldica - A Chancelaria das Ordens Portuguesas informa que a Cruz de Cristo na medalha e na placa da atual ordem honorífica é pátea (site oficial da presidência de Portugal) |
Interpretação popular - A cruz pátea dos Bombeiros Americanos, sem qualquer relação com o formato da Cruz de Amalfi, é designada como sendo de Malta (site do New York City Fire Department) |
Trata-se de um clássico caso de metonímia, assim, somos cruzmaltinos, uma vez que o Vasco é o repositório de uma secular e acertada tradição oral, representada pela Cruz de Cristo!
Da fundação ao Expresso da Vitória - ali estava a Cruz de Cristo!
(fotos: acervo pessoal)
* As imagens cujas fontes não foram citadas, foram recolhidas de diversos sites na internet
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